A história da NBA (National Basketball Association) pode não ser de conhecimento geral, mas grande parte dela está gravada e escrita para quem quiser conhecê-la. Já quando se fala em ABA (American Basketball Association), essas informações são mais escassas, muito por conta da curta duração e da falta de cobertura na época. Hoje em dia, não há distinção entre as duas ligas devido à fusão ABA-NBA, mas a narrativa dessa liga tão polêmica começa em 1967, quando George Mikan, cinco vezes campeão da NBA com o Minneapolis Lakers e melhor jogador da primeira metade do século XX, assumiu a direção de uma nova associação de basquete.
O intuito da associação era forçar uma fusão com a melhor liga; contudo, eles também queriam ser os melhores, e foi por esse motivo que acabaram se tornando rivais da NBA, a principal competição de basquete dos EUA. O primeiro passo da ABA foi criar equipes em que a NBA não tinha tanta influência ou então a perdeu, e assim surgiram Houston Mavericks, Pittsburgh Pipers, Minnesota Muskies, Indiana Pacers, New Jersey Americans, New Orleans Buccaneers, Dallas Chaparrals, Anaheim Amigos, Oakland Oaks, Denver Rockets e Kentucky Colonels. Outros mercados foram explorados ao longo dos anos pela ABA, como os de San Antonio e de New York, que renderam duas das quatro equipes mais fortes do torneio: Spurs e Nets, mas nem todos tiveram sucesso, e essas péssimas escolhas financeiras refletiram na imagem da liga, que teve muitas franquias jogando por mais de uma cidade.
Nos primeiros anos, a ABA foi atormentada pela instabilidade dos times e pela falta de competitividade, mas apesar do amadorismo, George Mikan e a liga trouxeram ao basquete da década de 60 e 70 o que a NBA pecou: cor e emoção. A ABA reinventou a bola de basquete ao usar bolas tingidas de vermelho, branco e azul, que não só representaram a bandeira dos EUA mas também cativavam até os que não se importavam com o esporte. Além disso, os jogadores atacavam por 30 segundos, 5 a mais do que o normal, e podiam atirar de uma invejável linha de três, não adaptada pela NBA.
As faltas eram flexíveis, e o estilo de jogo muito mais agressivo. Eles não tinham os mesmos recursos que a NBA para pegar estrelas do basquetebol universitário, mas recrutavam por fora, seguindo uma conduta que isentava os jogadores de cumprirem seus quatro anos de faculdade — uma atitude desprezada pelos rivais, mas que mais tarde culminou na ida de Julius Erving ao Virginia Squires, tornando-o assim inelegível para o draft da NBA.
Julius Erving, o cirúrgico Doctor J

Erving chegou ao basquete profissional para dominá-lo. Entrou em todas as seleções da temporada no seu ano de estreia, e liderou os Squires aos playoffs com 27.3 pontos por jogo e 15.7 rebotes, mas não ficou com o título e nem com o prêmio de novato do ano. Os Squires caíram para os Nets de Rick Barry nas finais de conferência, e Artis Gilmore triunfou sobre Julius na premiação ao terminar a temporada com 23.8 pontos por jogo e 17.8 rebotes.
Quando ele se tornou elegível para o Draft, enfrentou um drama com o Milwaukee Bucks e com o Atlanta Hawks que o rechaçou à ABA novamente, ainda pelos Squires. E por Virginia, deixou mais 31 pontos por jogo na temporada de 72. Seu talento era inegável, mas o time de Virginia estava completamente endividado, e só restou a eles negociarem Erving para os Nets.
Em New York, Julius se tornou o doutor que operou a liga. Completamente imparável no chão, ele foi eternizado como Doctor J e trouxe dois títulos à franquia, ambos sendo o MVP das finais. Além das premiações dos playoffs, Erving conquistou o troféu de jogador mais valioso da temporada por três anos seguidos, consagrado por muitos como o maior jogador da história da ABA.
O último jogo: All-Star da ABA
A ABA transformou seus improvisos em puro entretenimento, fugindo das formalidades que os outros se atavam e trazendo muito mais que partidas de basquete. Seus jogadores eram um exemplo de moda com seus cabelos afros, calças boca de sino e macacões. A liga incentivava a individualidade e performances que a NBA não se disponibilizava.
Houve jogos com todas as estrelas da temporada (as partidas All-Star), com apresentações bizarras e que envolveram até mesmo bruxaria, mas essas são histórias para outro texto. O ponto é que, em pouco tempo de vida, a liga se tornou uma competição ”fora da lei” muito mais cômoda que a NBA, que estava em retrocesso. No entanto, foi o seu caráter rebelde que a afastou dos patrocínios e das transmissões que seu rival tinha de sobra e, consequentemente, sobrecarregou o torneio em 1976.
Em 1976, a direção da ABA, controlada pelo comissário Dave DeBusschere, decidiu dar um fim à competição firmada há oito anos atrás e atrair a atenção da NBA para uma fusão. O consenso era: seja lá como fossem encerrar a liga, precisavam marcar o século, e nada melhor que um último jogo All-Star sediado em Denver, reunindo estrelas como Artis Gilmore, o A-Train, George Gervin, o Iceman, e Larry Kenon, o Mr. K. Porém, independentemente do sucesso e do talento desses jogadores, eles definitivamente não foram o centro das atenções.
Antes da partida, as lendas do country Glen Campbell e Charlie Rich cantaram por duas horas seguidas. Posteriormente, Julius Erving, o Dr J, e David Thompson, o Skywalker — que deixou 26 pontos por jogo no seu primeiro ano em Denver — prometiam um jogo épico. Devido à longa duração do show country e ao começo atrasado da partida, o torneio perdeu audiência ainda na primeira metade, por isso, muitos não presenciaram o torneio de intervalo que revolucionou o basquetebol americano.
O salto que atravessou a divisa entre ABA e NBA

A ABA era a liga das enterradas, e nisso não havia rivalidade. A melhor maneira que a associação achou de atingir todos os holofotes, mesmo sem nenhum apoio da imprensa, foi fazendo seus melhores jogadores enterrarem. Precisavam enterrar a bola, a liga e as críticas, e isso ficou nas mãos de Erving e Thompson, que protagonizaram o primeiro campeonato de enterradas do basquete no intervalo. Quem estava prestes a dormir se alienou pelo que estava por vir: David pôs o ginásio abaixo com um movimento de catavento (o windmill dunk), um giro reverso de duas mãos (two-handed reverse dunk) e uma enterrada de 360º (a primeira já registrada).
Os gritos de ovação aterrorizaram toda a cidade de Denver, mas Thompson nem sequer chegou aos pés de Doctor J. O que Erving planejou para sua apresentação influenciou até mesmo Michael Jordan anos depois. No primeiro lance, Julius enterrou duas bolas de costas para a cesta. No segundo, ele escreveu a história. Todos se ergueram enquanto Julius media seus passos até a linha de lance livre, e todos caíram com a bola quando ele simplesmente pulou daquela distância e enterrou. Da linha de lance livre para a cesta, em um salto só.
Nada naquela noite superou o que Erving fez, e ainda faltavam dois quartos para o fim do All-Star. No limiar da madrugada, o time das estrelas de Dr J acabou perdendo para o time da casa do Skywalker — com os Nuggets fazendo 50 pontos no último quarto —, e apesar do MVP de Thompson naquele jogo, o verdadeiro jogador mais valioso saiu derrotado. Erving podia não ter sido o MVP dos jogos All-Star, mas foi o jogador mais valioso para a liga naquela última partida.
Ele não só pulou da linha de lance livre, mas também cruzou a linha entre a ABA e NBA. As duas ligas finalmente olharam umas às outras após a exibição de gala que fechou com chave de ouro as portas da associação. A ABA precisava de um recomeço, e a NBA de estrelas que sucedessem Chamberlain, West, Baylor e Robertson, todos aposentados. A necessidade dos dois se cruzaram, e disso se formou um laço: a fusão da ABA com a NBA. E o resultado dela faz com que gente do mundo todo fale dessa união até hoje.
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